Pinguim no Terreiro


Como vocês já sabem, de vez enquanto rola uns "arranca-rabos" entre mim e a Princesa. Mais por culpa minha do que dela, uma vez que sou uma ave marrenta, teimosa, cega, retardada, burra e ciumenta, segundo as palavras dela. Numa dessas brigas, a situação ficou preta, pensei que perderia meu Amor pra sempre...
A Princesa, como eu já disse anteriormente, é aprendiz de feiticeiro, tem o hábito de "mexer os pauzinhos" para conseguir o que quer, no caso, o seu alvo mais específico foi essa humilde ave nos primórdios do nosso relacionamento... Como eu não tenho, igual à Princesa, um Mago Merlin pra me iniciar nos mistérios da magia, eu apelei para Dona Jurema, que além de ser faxineira, é médium e especialista em trazer a pessoa amada de volta com trabalhos de amarração, dando garantias e se orgulhando de nunca ter tido o seu nome "sujo" no Procon... Contei-lhe sobre o sucedido, chorei pitangas, disse que não poderia viver mais sem a Princesa e que estava sendo vítima de intrigas, bruxarias e fofocas que tinham o intuito de me separar do meu grande Amor... Dona Jurema abriu o jogo de búzios pra mim e disse que a coisa estava feia pro meu lado... Forças maléficas estavam, de fato, querendo nos separar, tinha "coisa feita" na jogada. Ela via um ebó preparado na minha intenção e na da Princesa... E ela ainda fez uma observação: "A pessoa tinha "gaita", pois não economizou em nada pra fazer com que vocês se separassem, Pinguim..."
Assustado com essa informação, quis saber de Dona Jurema, minha faxineira e zeladora de Santo, o que eu deveria fazer, qual a forma adequada para reverter essa situação. Ela me aconselhou a ir até o centro aonde ela trabalha, me consultar com um Guia competentíssimo e fazer um trabalho de descarrego, de limpeza da aura, talvez algumas oferendas ao meu orixá (Valha-me Deus! Pinguim tem orixá?)... Ela falou com muita certeza de que se eu agisse conforme o recomendado, a Princesa voltaria correndo para os meus braços... Animado com o otimismo de Dona Jurema, e louco de vontade de acertar minha situação com o meu Amor, contei com muita ansiedade o tempo que faltava para o dia da sessão no centro em que dona Jurema era médium...
Enfim o dia chegou... Adentrei pela primeira vez num centro de candomblé... Achei tudo muito interessante, dei meu nome, Pinguim Gelado, para a mocinha que fazia a listagem dos consulentes, e esperei com muita expectativa o momento de ser chamado para a consulta com a entidade que dona Jurema tinha me indicado... Sentado na assistência, eu olhei pra dentro do salão onde ficavam os "guias" e vi dona Jurema atendendo... Ela estava manifestada de vovó Belarmina, mas eu, no entanto, estava designado a conversar com tal Caboclo 7 espadas... Por fim, depois de transcorrido algum tempo, eu fui chamado à consulta... Sentei-me no "toco" (pra aqueles que com certeza vão ironizar o fato de eu ter sentado do "toco", eu vou logo dizendo que eu não gostei da experiência, ok?), e comecei a abrir meus problemas e coração para o Caboclo, e ele me disse que Dona Jurema já havia adiantado boa parte do problema para ele... Senti-me ainda mais confiante, pois, já sabendo, de antemão, que ele se encontrava a par da desdita que estava se abatendo sobre a minha vida, a solução já deveria estar a caminho... Ele fechou os olhos e pediu para que eu fechasse os meus e me concentrasse... Transcorridos alguns minutos, o Caboclo me disse que iria fazer uma limpeza astral que me deixaria livre das energias más que estavam me envolvendo e prejudicando... Ele levantou-se de seu banquinho, pediu a um assistente que lhe trouxesse sete espadas de São Jorge, e com um sinal feito com a cabeça, chamou a vovó Belarmina, no caso a minha conhecida Dona Jurema, entregou-lhe 3 espadas e ficou com as outras quatro... Pediu para que eu me levantasse... Eu, confiante e seguro de que o trabalho de limpeza seria porreta, fiquei de pé e fechei meus olhos para me concentrar mais e ajudar no trabalho de "desinfecção" da minha energia...
Meus amigos, vocês não vão acreditar no que aconteceu: Estava eu com meus olhinhos fechados, totalmente entregue e absorto, quando de repente senti uma dor desgraçada! Eu levei uma lambada na minha bunda emplumada do Caboclo com suas espadas de São Jorge que ele segurava na mão! Logo depois a vovó Belarmina mandou outra sapecada, e eu não estava conseguindo entender nada! Que diabo de trabalho de limpeza era aquele? Eu apanhava feito boi ladrão, e, já desesperado e com o meu traseiro todo marcado, eu perguntei, todo trêmulo, o que significava aquilo. Por que eu estava levando aquela sova das duas entidades que deveriam me ajudar, e não me linchar. O Caboclo e a vovó responderam quase que unissonamente: "Porque o trabalho que fizeram contra suncê, Seu Pinguim malandro e sem vergonha, só está surtindo efeito porque suncê é um sujeito cambalacheiro, galinha, safado, pilantra, fio de uma égua! Vai cuidar mais da sua Princesa, pois que ela lhe ama de verdade, e só tá chateada com as suas armações, fio! Seu cabeça de vento!!"
Eu me virei pra vovó Belarmina e questionei-a sobre o que sua médium havia me dito sobre uma "coisa feita" que tinham encetado contra mim para me separar da Princesa e da grana que foi gasta! Teria a dona Jurema se enganado? Ao que a vovó me respondeu prontamente: "Ela não se enganou, não, Zi-fio... Tem coisa feita, sim, mas essa coisa foi feita por Vós mecê... "
Enquanto a vovó me dava as explicações, ela pitava o seu cachimbinho, olhando-me bem nos olhos... E eu, por minha vez, só pensava em diminuir o salário da dona Jurema depois daquele "corretivo espírita" em que a minha bunda tinha servido de quadro negro aonde os dois guias "transcreveram" a lição de moral para o meu engrandecimento...
Vovó Belarmina continuou sua explanação: "Suncê, Zi-fio Pinguim, tem que ouvir as palavras dessa véia aqui... Suncê gasta dinheiro em noitadas, deixa sua formosura sem seus carinhos e atenção... Vós mecê tava necessitado de uma sacudidela, pois não é ninguém senão suncê mesmo o causador dos seus infortúnios... Vai... Preserva quem amas... Cuida... E mal nenhum vai atravessar os caminhos d’ ocês..."
Assenti com a cabeça um tanto envergonhado com o sermão recebido... Antes de me retirar, pedi uma folha de espada de São Jorge com as quais fui "doutrinado", para guardar de recordação daquela macumba "forte"... Mal conseguia andar, pois minha bunda doía pra cacete...
Bom, moral da história: Procurei tomar juízo, estou em relativa paz com a minha Princesa e não diminuí o salário da Dona Jurema, mas nunca mais quis saber de ir ao Centro de Candomblé do qual ela é frequentadora... Quando as coisas esquentam entre mim e a minha Princesinha marrenta, eu prefiro mil vezes levar as tamancadas dela do que a surra de espada de São Jorge... Que essa seja uma confissão que não saia daqui, ok?

http://www.nuaideia.com/nacll/c/clara_nunes/tributo/Filhos_de_Gandhi_martinelia_bn.mid

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