O ronco do trovão


De todas as dificuldades que são intrínsecas a vida a dois, e das quais eu já tinha prévio conhecimento, uma, em especial, me causou maior espanto e descontentamento: o ronco de trovão que saia dentro da minha idolatrada e meiga Princesa durante o período em que ela dormia! Sei que estou agindo como um daqueles tablóides ingleses que vivem delatando, de forma exagerada e azucrinante e sensacionalista, a vida dos famosos, principalmente a intimidade dos nobres; mas, no meu caso, é a mais pura realidade! Na primeira noite que passamos dormindo lado a lado, eu fui acordado por um som alto, continuo. Que decepção... Enquanto o meu sono era estilhaçado pelos roncos da Princesa, eu me perguntava como podia ser, uma mulher tão delicada, pequena e sensível ser tomada por uma manifestação estrambótica feito aquela...
Outras noites insones como aquela se repetiram para mim. Como eu sou um Pinguim muito “compreensível”, numa certa manhã, com a cara fechada e extremamente mal humorado, toquei no delicado assunto com minha amada:
- Putz, Princesa! Você ronca pra cacete! Eu não estou conseguindo pregar meus olhos! Deus me livre! Se eu soubesse que você tinha esse defeito de fabricação não teria me casado com você! Vai ter que dar um jeito nessa situação, porque eu necessito dormir! Já não consigo me concentrar, estou com déficit de atenção, estressado! Como eu vou poder tramar meus cambalachos e falcatruas? Como eu vou sustentar a casa? Vamos passar fome por causa dos seus roncos intoleráveis!
A princesa retrucou, sentida, que aquilo não era verdade e que eu estava sendo extremamente grosseiro com uma dama do quilate dela.
Apesar de reconhecer que exagerei nos meus apontamentos, eu decidi provar a ela que não estava mentindo, não; de modo que deliberei comprar um gravador para registrar sigilosamente o ressonar ruidoso da Princesa.
Na loja de parafernálias eletrônicas eu desatei a desabafar a liça que eu estava enfrentando com um vendedor que prontamente se solidarizou comigo. Entregou-me um gravador high-tech que era capaz de captar os menores ruídos. Disse ele:
- Eu garanto, senhor Pinguim, esse aparelho vai lhe deixar satisfeitíssimo! É eficiente e capaz de registrar o espirro de um mosquitinho! O senhor vai conseguir provas liquidantes! Sua Princesa não poderá mais negar os fatos!
Agradeci e prometi ao rapaz que voltaria para contar sobre o desfecho positivo do meu plano infalível! Quando a noite despencou, eu armei minha arapuca para capturar os roncos da Princesa. Para mostrar a minha total isenção e imparcialidade no desenrolar dos acontecimentos, eu tomei um comprimido para dormir.
Quando o dia amanheceu, eu me levantei feito criança em manhã de Natal, louco para pegar o meu “presente”. Na mesa do café, com ar solene e vitorioso eu mostrei a ela o gravador e contei o que tinha feito. Pluguei o instrumento investigativo em duas caixas de som potentes para valorizar o “material” e o que eu ouvi fez-me perder várias penas! O ronco da Princesa tinha sido de fato patenteado; mas, para o meu embaraço e desapontamento o gravador também apanhou os meus roncos! PQP! Eu roncava muito mais alto que a minha Princesa! Vou ser mais didático: Se pudéssemos fazer uma antologia, os meus roncos seriam Zezé de Camargo e os da Princesa seriam a segunda voz, a do Luciano.
Voltei à loja e o vendedor, tão logo me viu cruzando a porta estranhou o meu aspecto derrotista e me perguntou curiosamente:
- O que houve senhor Pinguim? O gravador enguiçou? Ele não conseguiu apreender os roncos dela?
Não respondi nada, apenas coloquei o gravador em cima do balcão e dei play. O rapaz apurou os ouvidos e escutou as gargalhadas estridentes da Princesa: “KKKKKKKKKKKKKKK! Tooooooooma! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!”...

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